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1ª Promotora de Justiça da etnia negra a ingressar no MPPR fala sobre suas vivências e sua participação em evento sobre a representatividade da mulher

Miriam de Freitas Santos participou do painel sobre VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA
30 de julho de 2019

No dia 25 de julho, data que marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela*, ocorreu o 1º Encontro Estadual sobre Representatividade da Mulher Negra na Carreira Jurídica. O evento ocorreu no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Paraná (OAB/PR). Nesta ocasião, a Procuradora de Justiça, Miriam de Freitas Santos, participou da mesa de debate sobre a VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NEGRA.

Em entrevista à APMP, a Procuradora de Justiça compartilhou uma parte de sua trajetória e relatou suas impressões quanto a sua participação em evento de singular grandiosidade para os afrodescendentes. Confira!

Inicialmente, a associada prestou agradecimentos a Deus e a sua família, particularmente, aos seus pais, por terem propiciado uma educação de qualidade, o que oportunizou seu ingresso no MPPR, em seu 1º concurso, no ano de 1981, mesmo ano de sua colação de grau. Miriam acrescentou que sendo da etnia negra, nasceu em uma família que tinha plenas condições de manter seus filhos com dignidade, passando-lhes valores humanos os quais regem sua vida, principalmente, o da igualdade, tornando sólido o seu orgulho pela etnia da qual faz parte. Estendeu seus agradecimentos à Dra. Symara Motter, D. Promotora de Justiça, Diretora da Diretoria de Mulheres Associadas da APMP.

Convite Surpreendente

O convite para o evento surgiu de forma peculiar, segundo a procuradora. A advogada Andréia Candido Vitor, presidente da Comissão Estadual de Igualdade Racial da OAB/PR, foi diretamente ao gabinete de Miriam para isso. Mas a história deste convite não para por aí: “Tomei conhecimento da razão da minha participação por ocasião da fala da citada advogada que declarou que concluiu a faculdade inspirada na minha pessoa, que ela conhecia de nome e não pessoalmente. Disse ela que no terceiro ano do curso de Direito pensou em desistir por ser afrodescendente, entre outros motivos, e foi conversar com um professor, coincidentemente, membro do MPPR, que lhe disse: “Não desiste não, eu tenho uma colega de sua etnia e que vai muito bem”. Este citou o meu nome e assim ela deu continuidade e concluiu o seu curso sempre pensando em mim. Sem dúvida a emoção tomou conta da minha pessoa”.

Encontro de mulheres negras palestrantes na OAB

Participar do Encontro foi muito significativo para Miriam, que ficou impressionada ao ouvir os relatos das advogadas negras participantes: “Minha emoção não parou diante dos depoimentos das advogadas afrodescendentes que, ao relatarem suas histórias, me surpreendiam. Não imaginava que, ainda neste século, uma advogada negra pudesse ser confundida por juízes como esposas de réus nas audiências e serem convidadas a se retirar, como também serem obstadas a entrar na penitenciária por agentes que queriam fazer revista como esposas de preso. É o racismo mostrando sua cara neste país que desumaniza sua população”. Afirmou Miriam.

A Procuradora de Justiça elogiou a iniciativa da OAB/PR em realizar um evento com a presença de advogadas negras, por ser uma atitude pioneira: “Este evento fora marcante para as advogadas da etnia negra, posto que inserido no calendário da OAB/PR, fora o primeiro encontro da história dessa Instituição. Todas se apresentavam muito emocionadas, inclusive, pelo êxito do encontro que reuniu várias categorias tanto da Defensoria Pública, do Judiciário, e Representantes do Município e do Ministério Público”.

Violência contra a mulher negra

Ao lado da Des. Neide Alves dos Santos, Des. Maria Aparecida Blanco de Lima, Flora Vaz Cardoso Pinheiro, Defensora Pública; Rita Cristina de Oliveira, chefe da Defensoria Pública da União - Curitiba; Silvia Regina de Oliveira; e Fernanda Valério Garcia da Silva; a associada participou do Painel “Violência contra a mulher negra”, que abordou os temas “Mulher negra e trabalho” e “Políticas e mulheres negras”.

A associada, em sua fala, abordou diversos tópicos para exemplificar de que forma ocorre a violência contra a mulher negra, em suas diversas facetas. “Sob esse aspecto frisei que a violência contra mulher não escolhe etnia, renda ou escolaridade. Graças ao feminismo o problema que era restrito a quatro paredes saiu do armário. A violência doméstica é delito praticado por alguém de convivência próxima, como maridos, companheiros ou namorados e tende a se repetir”, afirmou Miram.

Os dados estampam a verdade nua e crua

Para destacar a sua exposição, Miriam de Freitas Santos levou dados para demonstrar o que ocorre hoje no Brasil: “Pesquisa do IBGE, de 2013, apurou que, das 2,4 milhões de mulheres agredidas, 1,5 milhões eram mulheres negras vítimas de violência doméstica. A pesquisadora da UNB, Cristina Jaguetto Pereira, afirma que a quantificação dos casos é por vezes a única forma de perceber como o racismo influencia a taxa de agressões às mulheres. Não tem sido investigado como a violência de gênero e o racismo atuam conjuntamente, mas o elevado número demonstra que o racismo está presente”.

Feminicídio e a Lei Maria da Penha

A Procuradora de Justiça declarou ainda que a mulher negra sofre muito mais, ao se olhar para os índices: “No caso do feminicídio, estudo do Ministério da Justiça aponta que a taxa entre as afrodescendentes é de 7,2 por 100 mil habitantes, enquanto entre os brancos são 3,2, na mesma proporção. E esta diferença vem aumentando, de tal sorte que a mulher negra sofre opressão por ser mulher, por ser negra, e por estar na base da pirâmide social, onde tem os piores índices de educação, saúde, salário, etc. Todas estas questões não recebem atenção da sociedade, dificultam o acesso da polícia e aos sistemas de proteção, apesar do advento da Lei Maria da Penha, em 2006”.

A violência obstétrica

Miriam também comentou que outro tipo de violência a que são submetidas as mulheres negras é a obstétrica. A violência ocorre tanto no parto quanto em situação de abortamento. Mesmo as que dão a luz não estão salvas de serem violentadas institucionalmente. Porque na verdade o grande problema é o ser mulher negra jovem de periferia. Estas categorias sociais identitárias definem ou ajudam muito na decisão do profissional de como serão tratadas as pessoas que acessam os serviços de saúde. Tal violência caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres por profissionais da saúde através de tratamentos desumanizados, abuso de medicalização e patologização de processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. Diante desses fatos, a associada falou sobre esse tema, explicando que as mulheres negras sofrem ainda mais devido a diversos fatores e particularidades: “Infusão de ocitocina e ruptura artificial da membrana amniótica para provocar a aceleração do parto, procedimentos dolorosos sem analgesia, mais tempo de espera para consulta, maior risco de morte materna. Ainda, o SUS não leva em consideração que a etnia negra possui doenças particularizadas, tais como a hipertensão e a anemia falciforme, a primeira é causa de morte materna por eclampsia”.

Genocídio negro

Por fim, Miriam de Freitas Santos afirmou que os afrodescendentes no Brasil somam 54% da população e a situação dos mesmo é preocupante: “Notícias recentes revelam que 13,2 milhões de brasileiros estão na miséria, literalmente, passando fome, e em decorrência da desigualdade social já tantas vezes mencionada, não é exagero dizer que a grande maioria é da etnia negra. Não posso deixar de consignar que estamos vivendo um verdadeiro retrocesso civilizatório, e por conta disso está ocorrendo um verdadeiro genocídio de jovens afrodescendentes por morte violenta, a cada 100 óbitos, 70 são de negros entre 15 e 29 anos. O lamento da família me afeta na alma, porque sou parte desta gente, o sofrimento que lhes é impingido também doí em mim. Vejo nesta atuação por órgãos estatais, praticamente, o retorno da escravidão, agora na forma de projéteis de arma de fogo”.

A associada finaliza enaltecendo todos aqueles que promovem ações afirmativas para a comunidade negra e relembra um dos mais importantes líderes mundiais: “Finalizo enaltecendo todos os militantes da causa dos afrodescendentes no país, sem os quais não teríamos avançado em algumas políticas públicas como a das cotas universitárias, das quais muitos se beneficiaram e citando o Magnânimo Nelson Mandela: Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.

Uma história, uma mulher, um símbolo

No mês de novembro de 2019, Miriam de Freitas Santos completa 38 anos de carreira no Ministério Público do Paraná. Miriam ingressou no MPPR, em 1981, como Promotora Substituta e, em 2002, tomou posse como Procuradora de Justiça.

Quase 40 anos de uma história escrita por uma mulher, negra e atuante no Ministério Público. Uma vivência sem esteriótipos, muito além dos padrões impostos pela sociedade conservadora e racista, que evolui a passos muito lentos. Entretanto, mulheres como Miriam são exemplos necessários de representatividade. É preciso que a mulher negra esteja em todos os espaços, até aqueles que foram negados historicamente por minorias em exercício de poder.

Com informações e fotos: OAB/PR e Defensoria Pública/PR.

*Tereza de Benguela foi uma heroína negra brasileira que viveu no século XVIII. Com o assassinato de seu marido, ela se tornou líder do quilombo em que vivia, o maior do estado do Mato Grosso. Com o quilombo sob a sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas. O Quilombo abrigava mais de 100 pessoas e todos o chamavam de “Rainha Tereza”. Em homenagem a Tereza de Benguela, o dia 25 de julho é oficialmente no Brasil o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A data comemorativa foi instituída pela Lei n° 12.987/2014. Saiba mais sobre a sua história aqui:


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