Você nasceu sentenciada.
Institucionalizaram seu jeito de ser e seu futuro.
Para compensar, criaram um dia só seu.
Mas você não pediu essa recompensa.
Nem as operárias queimadas pediram.
O que você queria era que a sua vida, e a das suas irmãs, fosse segura.
Que todas transitassem nas ruas, lares e trabalhos sem sentir medo, físico ou moral.
O que você realmente queria
é que não tivesse precisado esconder sua potência, durante todos esses anos.
Confesse que você fingiu que não sabia a resposta, que fazia mal feito, que era desajeitada, e, a todos, tão perfeita!
Tantas vezes mirrou a voz, o verbo, o rebolado, o raciocínio, a satisfação.
Disfarçou a firmeza, a atitude, a opinião, e fê-las suaves aos ouvidos alheios.
Quantas vezes, sem perceber, escondeu de si mesma que era capaz?
Quantas vezes abusou de sua eficiência, escamoteou talentos,
para poder ser aceita no mundo dos medíocres?
Quantas vezes acreditou que sua função era servir a todos, menos a si mesma?
Você pediu liberdade para ser você.
Deram-lhe igualdade formal, flores e um dia infame.
Diga agora a quem puder que lhe podem trazer belas flores, nos braços ou na mão.
Podem abrir-lhe a porta, como fazem em dia de comemoração.
Apenas não deturpem: flores são só flores.
Elas não concertam a iníqua e histórica questão.
Autora: Lucimara Rocha Ernlund, promotora de Justiça de Curitiba.