No mundo a campanha de 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher se inicia em 25/11. No Brasil temos os 21 dias, com o início conjunto ao Dia Consciência Negra, 20/11. A Associação Paranaense do Ministério Público (APMP) aproveita para iniciar uma campanha para chamar a atenção para o tema.
Ouve-se dizer que o homem que pratica violência contra mulher está incorrendo em crimes da já conhecida e quase totalmente aplicada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006- LMP). Isso, porque, de fato, trata-se da primeira norma nacional que trouxe a ideia de ações criminosas com motivação de gênero (art. 5º da lei). Ocorre que, logo em seguida, esse mesmo artigo limita os crimes com motivação de gênero apenas aos que conhecemos como crimes de violência doméstica e familiar, ou seja, praticados por pessoa da família ou quem a mulher possui relação de afeto.
Por muito tempo, portanto - sem se negar a imensa inovação da proteção conferida pela LMP, mesmo porque os crimes praticados no âmbito doméstico ainda são a maior causa mundial de mortes violentas de mulheres- essa foi a única noção popular sobre a definição de crimes contra mulheres.
É muito mais recente uma expressiva modificação de todo o ordenamento brasileiro no sentido de contemplar a proteção de outros direitos humanos de mulheres, completamente negligenciados pelo Direito Penal por milênios.
Em 2015, surge a Lei 13.104 que trata não somente da morte violenta de mulheres em contexto de violência doméstica e familiar (art. 121, par. 2º A, inciso I do Código Penal), mas também por menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inciso II da norma citada).
Em 2018, como verdadeira revolução na proteção de mulheres em matéria de crimes sexuais, a Lei nº 13.718/2018 finalmente reconhece como crime a ação de um homem encostar no corpo de uma mulher sem seu consentimento em espaço público - trata-se da figura da importunação ofensiva ao pudor (art. 215-A do CP), dando um basta nos abusos ocorridos principalmente no interior dos transportes coletivos. É também dessa lei a previsão da criminalização da conduta daquele que expõe em público imagens íntimas que haviam sido mandadas pela ex-companheira somente para ele durante o relacionamento (art. 218-C do CP).
Em 2021, a Lei 14.132 traz como crime o que sempre se conheceu como Stalking e que impedia com que muitas mulheres circulassem livremente ou desenvolvessem suas atividades cotidianas, por serem perseguidas por homens que com elas queriam se relacionar e não aceitavam recusa (art. 147-A do Código Penal). É desse mesmo ano a Lei 14.188 que fala do crime de violência psicológica, ou seja, gerar verdadeiro dano na integridade psicológica de uma mulher, por diversas condutas como ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, entre outras.
Ainda em 2021, a Lei 14.792 abarca a proteção de mulheres enquanto ofendidas em seu direito humano de participar de espaços políticos e insere no Código Eleitoral o crime de violência política contra a mulher por meio de assédio, ameaça e constrangimento a candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo.
Finalmente, nesse ano de 2022, a proteção de direitos humanos de mulheres se alarga ao ponto de atingir o próprio sistema de justiça, prevendo como crime, principalmente após o conhecido caso “Mariana Ferrer”, a violência institucional, ou seja, a conduta de submeter a vítima ou testemunha a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos (art. 15-A da Lei de Abuso de Autoridade).
Não se fala mais somente de Lei Maria da Penha, são relevantes e numerosas as modificações legislativas dos últimos tempos envolvendo o que já podemos denominar de “Crimes contra Mulheres”. E, ainda, há o que se estudar no âmbito da necessária matéria Direito e Gênero, de forma a se preencherem lacunas legislativas que resultam na ausência de proteção a direitos humanos de mulheres, tal como a falta de definição e punição da violência obstétrica, entre outras.
Mariana Seifert Bazzo é Doutoranda em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra em “Estudos sobre Mulheres – Gênero, Cidadania e Desenvolvimento” pela Universidade Aberta de Portugal (2018). Pós-graduada em Justiça Europeia dos Direitos do Homem pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal (2008). Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná desde o ano de 2004.
Com informações: Folha de Londrina. Clique aqui e confira o artigo publicado no jornal.