O portal Empório do Direito publicou recentemente um artigo escrito pela promotora de Justiça e associada da APMP, Mônica Louise de Azevedo. O texto tratou do papel do Ministério Público e o agravamento da vulnerabilidade no Brasil pós pandemia.
Confira o artigo na íntegra publicado no site Empório do Direito:
O Ministério Público deve mudar radicalmente a forma de atuar para cumprir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e coletivos e direitos individuais indisponíveis, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1988. Iniciativas desarticuladas interna e externamente, intervenções desconectadas das necessidades efetivas da população ou sem resultados concretos e mensuráveis, afastamento e dificuldade de acesso pela população à quem deve atender e servir, essas e outras tantas questões devem ser enfrentadas para que a instituição cumpra a sua missão constitucional e promover a justiça social.
Informações de julho de 2023, apontam o agravamento das vulnerabilidades no Brasil no período pós pandemia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea informa que na segunda década do século XXI houve o aumento de mais de 211% das pessoas em situação de rua nas grandes metrópoles brasileiras, com indivíduos e famílias privadas não apenas de moradia digna, expostas ao frio intenso, chuvas, escárnio e ausência total de privacidade, mas também do acesso à água, alimentação adequada e com agravamento de doenças físicas e mentais; o Fórum Brasileiro de Segurança Pública constatou o crescimento de todos os indicadores de violência doméstica, dos crimes sexuais e contra crianças e adolescentes nas pesquisas realizadas e publicadas no Anuário Brasileiro de 2023, que também retrata a explosão dos eventos de intolerância racial e religiosa no período; o maior produtor de grãos do mundo não alimenta de forma adequada um terço de sua população, ou seja, mais de 70 milhões de pessoas, o que faz o país retornar ao Mapa da Fome da ONU. Tais mazelas, exemplificativas de outras tantas desigualdades, agravadas pela pandemia do Covid 19 que ceifou mais de 700 mil vidas, muitas das quais evitáveis se o desmonte das políticas sociais e a polarização político-institucional dos últimos anos não tivesse agravado os riscos sociais que atingem a sociedade brasileira, comprovando que a atuação tradicional dos promotores e procuradores se revela insuficiente, ineficaz ou inadequada.
A defesa dos direitos da sociedade exige a adoção de todas as medidas que forem necessárias para a efetiva concretização dos direitos sociais pelos serviços de relevância pública do próprio Estado, embora as atribuições da instituição não consistam em criação legislativa ou em exercício jurisdicional. Uma das possibilidades de atuação concreta do Ministério Público na redução dos agravamentos decorrentes da pobreza e processos de marginalização de imensos extratos populacionais é a identificação e o exercício do seu papel de fiscalização das políticas públicas sociais de forma planejada, integrada e sistêmica. Nesse sentido a política da assistência social, que cabe ao Ministério Público fiscalizar, mediante “ um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”, e (artigos 1 e 31 da Lei Nº 8.742/1993 - Lei Orgânica da Assistência Social/ LOAS), revela-se como uma possibilidade de atuação intersetorial importante, posto que a questão social se faz presente, de forma direta ou indireta, em todas as áreas de intervenção da instituição: da segurança pública à defesa dos direitos das crianças, idosos, das vítimas de crimes e de discriminações, das pessoas em situações de risco e vulnerabilidade e até na fiscalização da probidade administrativa, na execução orçamentária e no monitoramento da ação ou omissão governamental em relação ao suprimento das necessidades da população.
Para garantir vida digna para todas e todos são necessárias estratégias institucionais que promovam a atuação articulada e alinhada das diversas áreas de atuação do Ministério Público, realizando o acompanhamento ativo da política pública da assistência social, parte integrante do tripé da seguridade social, com a saúde pública e previdência social. É fundamental o fomento e a indução do fortalecimento do Sistema Único da Assistência Social - SUAS, nos três níveis da federação, visando a satisfação das necessidades reais e muitas vezes invisibilizadas da população; o monitoramento e a implementação dos programas, projetos, serviços e benefícios socioassistenciais, seja no nível de proteção básica para a prevenção dos agravamentos individuais, coletivos e difusos, decorrentes da ausência do mínimo existencial para uma vida digna, seja a proteção especial de média e alta complexidade, essenciais na superação das violências e desigualdades. Além disso, na defesa do regime democrático, o Ministério Público deve assegurar a existência e participação popular nos conselhos de direitos, fóruns e conferências na área dos direitos sociais, dando efetividade ao controle social, bem como fiscalizar os investimentos, o co-financiamento e a execução orçamentária dos recursos públicos destinados às políticas socioassistenciais em cada território, de acordo com sua realidade, marcadores e necessidades específicas.
Somente atuando de forma assertiva, planejada, coerente, transversal e intersetorial é que o Ministério Público contribuirá para a construção de um Brasil menos desigual, mais justo e solidário, conforme a proposta da Constituição Federal de 1988.
Curitiba, 31 de julho de 2023.