Celita Alvarenga Bertotti, pioneira, professora, colega.
Valéria Teixeira de Meiroz Grilo
“A melhor maneira de cultivarmos a coragem nas nossas filhas e em outras jovens é sendo um exemplo. Se elas virem as suas mães e outras mulheres nas suas vidas seguindo em frente apesar do medo, elas vão saber que é possível” - Gloria Steinem.
“A gente é criada para ser assim, mas temos que mudar. Precisamos ser criadas para a liberdade. O mundo é grande demais para não sermos quem a gente é” – Elza Soares.
No dia 10 de dezembro de 1935, Celina Teixeira Alvarenga dava à luz Celita Teixeira de Alvarenga, em São Gonçalo, Rio de Janeiro, que fora palco, em novembro, do levante conhecido como Intentona Comunista ou Revolta Vermelha de 35 contra o governo de Getúlio Vargas.
Na sua infância, Celita morou em vários lugares, já que o pai fazia carreira no Ministério Público Militar, sendo motivada, pela mãe, a ver positivamente novos espaços.
Celita, que se dizia carioca e paranaense, teve uma juventude efervescente e repleta de atividades, estudando e lendo muito, além de atuar como atriz amadora.
Desde muito cedo e logo que se formou em Direito, Celita foi nomeada interinamente para o cargo de promotor público da comarca de Nova Esperança. No início de 1960, assumiu o cargo em razão de aprovação em concurso público e partiu para o exercício das atribuições ministeriais por todo o Estado, tendo enfrentado com galhardia os percalços inerentes às promoções, designações e mudanças de cidades.
As condições precárias da malha viária, a falta de infraestrutura e a sobreposição dos trabalhos domésticos nunca intimidaram Celita, que enfrentava, sem pestanejar, as dificuldades, contratempos e agruras da profissão que abraçara.
Desde o nascimento do primeiro filho, Maurizio, Celita assumiu a posição de mãe dedicada, levando a prole para todas as comarcas pelas quais passou. Conforme ela mesma afirmava, os filhos “tinham que achar divertido” as constantes mudanças de cidades e de ares.
A nossa colega Celita foi pioneira e ocupou todos os espaços que ainda hoje são destinados aos homens prioritariamente. E se orgulhava deste pioneirismo que nos abriu caminhos para ocuparmos os espaços que quisermos.

Celita foi a primeira coordenadora de promotorias criminais – embrião dos atuais centros de apoio; a primeira procuradora de justiça; a primeira conselheira do Conselho Superior do Ministério Público; a primeira examinadora de banca de concurso para promotor de justiça; a primeira mulher a concorrer à vaga de Procurador-Geral de Justiça. Pediu sua aposentadoria aos 58 anos, para cuidar da mãe, Celina.
Ao longo da sua vida profissional, Celita sempre se mostrou sensível, solidária, interessada e comprometida, adotando posicionamentos firmes, amparados em argumentos lógicos, inteligentes e articulados, sobre os mais diversos assuntos. Apesar de não se intitular feminista, reconhecia que vivíamos em uma sociedade patriarcal, machista e violenta em relação às mulheres.
Além de ter estudado e pesquisado sua trajetória profissional, tive a honra de conhecê-la como colega, já procuradora de justiça.
No início da minha carreira no Ministério Público do Paraná, apesar de ter como referência e procurar imitar e ser vista pelas colegas Samia Saad e Sonia Taques – porque ingressei no Ministério Público do Paraná em junho de 1988 –, veio de Celita o primeiro contato. Em 1989, quase desmaiei de emoção, ao obter da colega procuradora de justiça, então na atividade correicional permanente, os conceitos “bom” e “ótimo” nas minhas atuações processuais, especialmente em apelações criminais. Para mim foi uma espécie de Oscar ou Prêmio Nobel, tamanha a alegria. É claro que, no primeiro momento que a vi, após estes elogios, impunham-se agradecimentos. Fui recebida com carinho e seriedade, pois Celita disse que nada havia para agradecer porque eu apenas atuara bem, que esta era a obrigação de toda promotora, e ela tinha cumprido com o dever de procuradora nas correições permanentes.
Sempre tive por ela uma admiração e carinho muito grandes, a tal ponto de me divertir com todas suas observações. Acho que, na verdade, me colocava no lugar de filha, já que seu primogênito era apenas cinco dias mais velho do que eu. Numa reunião, no sexto andar do prédio do Tribunal de Justiça, cheguei com uma garrafinha de água, para beber aos goles, como passei a fazer logo depois do nascimento da minha primeira filha. Ao me ver, Celita observou com alguma antipatia a minha frescura. Claro que adorei porque só o fato dela me notar já me fazia feliz. Caí na risada e ela também não se furtou de dar uns sorrisinhos com os cantos da boca. Era delicioso poder desfrutar da alegria, espontaneidade e bom-humor da colega.
Esse carinho que sempre nutri por Celita teve apoteose na noite do dia 29 de julho do ano passado. Lá estava ela, prestigiando o lançamento do livro sobre a história das mulheres do Ministério Público do Paraná, com bom humor e boa conversa. Tive oportunidade de mais uma vez ouvir suas deliciosas histórias, apreciar seu senso de humor, receber e retribuir carinho.
Depois de estudar e pesquisar sobre a pioneira em tantos cargos do Ministério Público do Paraná, a coloco entre Walkyria Naked e Maria Tereza Uille Gomes, como inspiração e representação de mulheres que não se intimidam numa sociedade machista e misógina e que nos abriram tantos caminhos.
Muito obrigada, Celita, por sua história e por seu legado. Tenho certeza de que já está contagiando a todos com sua alegria e sua inteligência, onde quer que esteja, sendo a colega, a mãe, a filha e a esposa que todos queriam ter.
Fotos: Acervo Memorial do MPPR e acervo APMP.