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EDITORIAL | O nosso adeus a Miriam. E muito obrigada!

Homenagem da Diretoria de Mulheres da APMP
8 de dezembro de 2022

É que a memória é contrária ao tempo. 
Enquanto o tempo leva a vida embora como 
vento, a memória traz de volta o que 
realmente importa, eternizando momentos.
Adélia Prado

Na última sexta-feira, dia 02/12, lamentávamos a derrota da seleção brasileira em um jogo da Copa, quando nos chegou a mensagem amarga pelo celular, que dizia… com o coração destruído, informo o falecimento da Dra. Miriam. Não foi fácil de acreditar. Afinal, a luz que Miriam de Freitas Santos acendera na véspera, na live de que participou sobre Racismo Institucional no Sistema de Justiça (¹), ainda brilhava forte.  

O que mais nos marcou na Miriam, além de sua inteligência e garra nas lutas que enfrentou, entre elas contra o racismo estrutural, foram sua delicadeza e elegância no trato com todos que a cercavam! Foi assim que a colega Maria Lucia Figueiredo a definiu, para as mulheres do nosso grupo do Ministério Público, assim que lançamos a pergunta… “Quem foi Miriam para vocês?” Danielle Garcez também não titubeou, e na mesma hora respondeu: Sempre muito gentil e educada

Miriam era uma das nossas, e a notícia de sua partida representa a perda de um pedaço importante da gente. Nós, Mulheres do Ministério Público, de repente, nos vimos menores, um pouco menos preciosas, com a partida da primeira Pérola Negra (²) do Paraná. Miriam tornou-se promotora de Justiça no ano de 1981. Até então, tínhamos um território ainda não pisado por mulheres negras. Na véspera de sua morte, disse, sobre seu ingresso na carreira: O Ministério Público tinha severo preconceito com relação a mulheres. Então, na minha cabeça não passou em nenhum momento… “eu sou mulher e sou negra”. Porque se eu tivesse esses dois pensamentos negativos, eu não iria fazer o concurso (³). Mas Miriam fez o concurso e passou, revertendo, com a sua presença, a vergonhosa ausência das mulheres negras em nossa instituição. Foi a única durante quase cinco anos, e hoje, quarenta e um anos depois, as colegas negras ainda são exceções, que confirmam a regra injusta de suas ausências nos espaços de poder e de decisão (4). Miriam talvez preferisse não falar de suas lutas pessoais, pois se sentia privilegiada, por ter sido criada numa família de classe média que pôde lhe dar as condições de acesso aos estudos (5). Mas nessa condição, aguerrida e sensível, assumiu com maestria, além de todas as outras tarefas atinentes às promotoras de Justiça, sua posição de combate ao racismo estrutural, atuando como coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade Racial (NUPIER). Valéria Grilo relata que ela foi a primeira a falar sobre racismo no MPPR, em sessão pública, em 2002 (sua posse como procuradora de Justiça). Tinha especial apreço pela Carta de Curitiba para efetivação do Estatuto da Igualdade Racial, de 2010. Em 2012, foi criado o NUPIER, no mesmo ano que criada a Lei de Cotas.  

Os integrantes do Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial (Nupier) sempre foram brindados com as reuniões coordenadas pela procuradora Miriam, para discutir as pautas de promoção de igualdade racial do MPPR e também as políticas públicas estaduais e nacionais. Os encontros, ainda que à distância, ora pela pandemia, ora pela composição de pessoas que estavam em todas as partes do Estado, foram marcados pela razão, emoção e estratégia. Miriam reunia a experiência de tantos anos de atuação, as memórias de muitos enfrentamentos ao longo da carreira, o profundo conhecimento do valor que as solenidades dos atos jurídicos ainda representavam, a força da mulher negra e também a coragem dos seus primeiros dias como promotora de Justiça.  

Miriam inspirava jovens Promotores e Promotoras de Justiça de modo singular, pois, ao mesmo tempo em que ponderava os sonhos mais revolucionários de uma sociedade justa e igualitária, não permitia que ninguém se tornasse menos aguerrido e combativo.  

As palavras não são suficientes para externar os ensinamentos humanistas e jurídicos, as lembranças dos debates em tantos eventos, e das suas contribuições ao Nupier. Especialmente quando a atual fase do luto ainda fomenta dúvidas em nossos corações sobre a notícia da sua partida.  

Não é fácil acreditar que Miriam não ocupará mais o seu natural espaço de liderança entre aqueles que estão empenhados com a política antirracista do Ministério Público brasileiro. É o apego à materialidade e ao físico, que caracteriza nossa sociedade. Assim, o MPPR deve seguir com a transcendência da sua passagem entre nós. 

Mas Miriam foi muitas, foi gigante, e por isso o vácuo que deixa em sua partida é tão imenso. E é de sua grandeza e amizade que a colega Flávia Regina Lemos se recorda: Falar da Dra. Miriam, pelo viés da amizade, é falar de Amor. Ela me ensinou a dança de ora colocar a atenção nas dores humanas, e ora desviá-la dessas dores, e assim nunca se distrair da fluidez da Vida. Fica a saudade dos seus olhos de Luz, da sua coragem, da sua resistência e do seu sorriso sempre colorido e acolhedor

Nildete Costa, esposa do colega aposentado Milton Couto Costa, com quem Miriam trabalhou por muitos anos dividindo sala, lembra com carinho o quanto Miriam idolatrava sua família e vivia por seus sobrinhos… Sempre nos encontros, estava ela com dois, três! Muito lindo de ver! Muito sentimental, se emocionava pela dor do outro! A conheci no início de carreira, era muito linda, por onde passasse chamava a atenção, pela sua beleza! Sempre muito vaidosa! O que a deixava ainda mais esbelta e faceira!! O apego à família também foi destacado por Cynthia Pierri, que se recordou da dedicação de Miriam aos pais: Miriam foi uma filha espetacular. Cuidou incansavelmente dos seus pais

O compromisso com o futuro das crianças e adolescentes permeou a carreira da nossa querida colega, que integrou, em 2008, o CAOP da Criança e do Adolescente. E, no tempo em que atuou na então denominada “Vara de Menores Infratores”, fez valer, com muita coragem e sensibilidade, a missão do Ministério Público, conforme lembra a colega Terezinha Signorini, com quem atuava: Enfrentamos algumas situações tensas, como quando a rua foi fechada com taxistas que queriam linchar um adolescente acusado de latrocínio! Todo dia, a Miriam lia a coluna policial do jornal e não raro comentava comigo: perdemos mais um dos nossos adolescentes. Mas o tamanho de sua sensibilidade transcendia suas ações práticas, e se materializava também na arte. Terezinha conta que ela pintou vários quadros em que expressava seus sentimentos, angústias e emoções. Quando um adolescente lhe perguntou o significado, respondeu: “Sou eu”. Não raro comprávamos lanche e sucos para os adolescentes

Agora pranteamos sua ausência física. Mas também precisamos celebrar sua passagem marcante e compromissada pelo Ministério Público do Paraná. Ao ingressar e permanecer por quarenta e um anos nessa Instituição da qual honradamente fazemos parte, Miriam está entre as grandes responsáveis pelo desenho do Ministério Público brasileiro tal como ele é (ou pretende ser): potente, inclusivo e predestinado para promover Justiça social. Pedimos vênia, então, para reproduzir a homenagem que tão bem define nossa colega querida, escrita pela associada Terezinha Signorini: 

Miriam é admirada por todos que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Sua trajetória foi guiada pelo compromisso de servir à comunidade e manteve passos firmes em seus valores de respeito, empatia e autenticidade. Com engajamento apaixonado e impecável qualificação técnica, ela construiu pontes e pavimentou caminhos para a defesa de direitos e inclusão social. Ao atuar na área da infância e juventude, foi pioneira na promoção de cuidados para o tratamento humanizado de crianças e adolescentes. 

Nutria sincera preocupação com resultados práticos de sua atuação e permaneceu acessível para todos que a procurassem. Como parceira de trabalho, tinha postura aberta ao diálogo e à contribuição mútua. 

Sabia a importância de seu lugar de fala e nunca deixou de se posicionar nos debates que lhe eram caros. Sua expressão era respeitosa e potente. Era realmente admirável a sua resiliência. 

Um espírito solar e um coração imenso! Nele habitavam familiares de sangue e afeto, amigos, irmãos de fé, colegas de profissão e, quiçá, o mundo inteiro. 

Infinitamente criativa, nos deixa mil ideias germinadas e obras de artes realizadas em matéria ou em sentimento… 

Obrigada, Miriam. Você nos deixa um legado de referência e permanecerá viva em nossos corações. 

Nós todas, Mulheres Associadas, e todas as Mulheres que conheceram e foram, de alguma forma, beneficiadas ou inspiradas pelas conquistas, ações e exemplos de Miriam, queremos deixar aqui, para ela, nosso MUITO OBRIGADA! 

Mariana Dias Mariano  

Amanda Ribeiro dos Santos 

Cláudia Juliana Almeida Erbano 

Symara Motter 

Himínia Dorigan de Matos Diniz 

Nildete Dubinski Costa 

 

Diretora de Mulheres Associadas da APMP 
Curitiba, 08 de dezembro de 2022 

 

 

¹ Evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Paraná, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=X8YUgLvKeWQ.

² A denominação é feita em referência ao projeto do Movimento Nacional das Mulheres do MP “#MPPérolasNegras”, lançado em 2020, com o propósito de dar visibilidade e fomentar a representatividade do povo negro (informações extraídas do site https://mulheres.apmppr.org.br/noticias/associadas-participam-delives-domovimento-nacional-de-mulheres-do-mp-mpperolasnegras-407. Acessado em 06/12/2022.

³ Evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Paraná, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=X8YUgLvKeWQ

(4) VAZ, Lívia Maria Santana e Sant'Anna; RAMOS, Chiara. A Justiça é uma mulher negra. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2021. 

(5) Na live realizada às vésperas de sua morte, Miriam contou: Meu pai era muito popular, porque era jogador de futebol também. Ele queria jogar no Corinthians., (…) como o salário era muito pequeno, eles conseguiram um cargo público pra ele permanecer lá e jogar futebol. Então, uma classe média assim… condizente pra sustentar uma família num padrão bom. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=X8YUgLvKeWQ. Acessado em 06/12/2022.

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