A associada destaque deste mês de novembro é a Procuradora de Justiça, Miriam de Freitas Santos, Coordenadora do Núcleo de Promoção à Igualdade Étnico Racial do Ministério Público do Paraná (MPPR) e integrante da Assessoria de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) do MPPR.
Miriam é Paranaense, natural de Arapongas. Formou-se em Direito, em 1981, pela Universidade Católica do Paraná, atual Pontifícia Universidade Católica (PUC).
A associada que, agora em novembro, completará 39 anos no MPPR tem muito orgulho da sua família, da sua história e do caminho que percorreu até chegar nas cadeiras do Ministério Público. “Nasci em uma família que para a época poderia ser classificada de classe média, estruturada de forma a propiciar que meus pais pudessem suprir todas as necessidades de três filhos. Sendo uma sociedade miscigenada fomos educados como iguais. Jamais tivemos obstáculos por sermos da etnia negra. Em Arapongas, minha cidade natal, cursei do primário até parte do Científico, quando em razão da transferência de meu genitor nos mudamos para esta Capital. Até então sempre estudei em escola pública e acabei por fazer o “terceirão” no Positivo”, comenta.
Miriam diferente de muitas pessoas não sonhava em fazer o curso de Direito e sim o de Medicina. Aluna sempre aplicada e autodidata, estudou muito para passar na Universidade Federal do Paraná ou na Universidade Evangélica, mas com a não aprovação no Curso de Medicina nessas universidades optou, com o apoio de seu pai, por prestar vestibular para Direito na PUC, quando foi aprovada com ótima nota.
Durante toda a faculdade e pelo sistema de convívio existente na época no seio de sua família, não exerceu nenhum trabalho até a formatura. Apenas estágios não remunerados.
E foi em um desses estágios que surgiu o interesse pelo Ministério Público (MP). A associada relata que o primeiro ano de estudo na faculdade, foi muito difícil, mas no segundo ano se apaixonou por Direito Penal, isto em 1977. Miriam relembra com certa nostalgia daquela época, “E para minha surpresa o professor de Penal, o saudoso membro do Ministério Público, Dr. Luiz Carlos Souza de Oliveira me convidou para ser uma de suas estagiárias na Comarca de São José dos Pinhais. Este estágio me revelou o que era ser um Promotor de Justiça e dentro de mim já pulsava a semente de uma futura Promotora de Justiça”. A então aspirante à carreira do MP continuou a partilhar sobre como era o estágio que a apresentou às funções ministeriais, “O professor nos dava plena liberdade, quer no oferecimento de denúncias, apresentação de alegações finais, atendimento ao público, propositura de ações trabalhistas, homologação de rescisão de contrato de trabalho, representação do Ministério Público em audiências, principalmente, as trabalhistas. Também assistíamos aos julgamentos pelo Tribunal do Júri. Nesta fase também devo agradecimentos ao Promotor de Justiça, hoje aposentado, Dr. Leônidas Oliveira Araújo que atuava na mesma comarca e que muito nos ensinou”.
Assim, nasceu um sonho: o de ingressar nos quadros do Ministério Público do Paraná. Miriam acrescenta que guardou esse sonho e logo após a colação de grau se inscreveu no concurso do MP. Sobre esse momento, a associada narra os acontecimentos e menciona como descobriu ser a primeira mulher negra a ingressar no MPPR. “A prova escrita fora realizada em setembro de 81 seguida da prova oral, no início de novembro, e tomei posse em 30/11/1981. Esclareço que fui fazer tais provas com o pensamento voltado para o preconceito contra mulheres. Por me sentir igual a todos nunca passou pela minha cabeça que estaria lutando contra dois fatores negativos, ser mulher e negra. Tal inconsciência era tão verdadeira que só depois de muitos anos fiquei sabendo ter sido a primeira mulher negra a ingressar no MPPR. Se eu tivesse este complexo de inferioridade jamais teria êxito. Graças a Deus e aos meus pais sempre vivi com sentimento de igualdade. Se fui ofendida de alguma forma em razão da etnia não fora na minha presença”, assevera.
No decorrer da carreira, atuou nas comarcas de Telêmaco Borba, Cândido de Abreu, Jaguariaíva, Piraquara, Ponta Grossa e Curitiba. Em toda sua trajetória no MPPR, exerceu por mais tempo suas atribuições na área criminal, passando por Promotorias Criminais e pela Coordenadoria de Recursos Criminais.
Em 2002, foi nomeada para o cargo de Procuradora de Justiça.
Além de atuação em órgãos de execução, Miriam exerceu atribuições em Centros de Apoio Operacionais das Promotorias de Justiça (CAOP’s). De 1996 a 1997, atuou no CAOP de Proteção ao Patrimônio Público, na área criminal. Já em 2008, foi designada para coordenar o CAOP da Criança e do Adolescente. A frente desse CAOP, em 2009, em conjunto com os associados Murillo José Digiácomo e Márcio Teixeira dos Santos, hoje também Procuradores de Justiça, lançou a cartilha “Município que Respeita a Criança - Manual de Orientação aos Gestores Municipais". O documento teve o objetivo de oferecer aos prefeitos e gestores públicos informações completas e objetivas para que os municípios atendam ao princípio constitucional da prioridade absoluta à infância e juventude, dando destaque à área nos orçamentos municipais e no desenvolvimento de políticas públicas específicas (veja mais aqui).
Ainda na área da infância e juventude, a sua atuação compreendeu tanto temas como adolescente infrator quanto temas de situação de risco social e pessoal da população infanto-juvenil do Brasil.
Nos anos de 1996 a 2000, ou seja, durante 04 anos, participou da fiscalização de provas de ingresso na carreira do MPPR. Já em 2008, foi designada para presidir a Comissão destinada a propor critérios e avaliar os candidatos que se declararam afrodescendentes.
Em dezembro de 2012, a associada compôs a assessoria de gabinete do Procurador-Geral de Justiça e, por cinco mandatos, compôs o Conselho Superior do Ministério Público do Paraná.
Miriam também coordenou o Núcleo de Combate a Crimes Funcionais Praticados por Prefeitos, por quatro anos, de 2015 até abril de 2020. A partir de abril de 2020 foi designada a coordenar o Núcleo de Promoção à Igualdade Étnico Racial, que é vinculado ao CAOP de Proteção aos Direitos Humanos (Resolução nº 3630/2012 – leia aqui).
A associada é autora, juntamente com outros autores, de artigos sobre a temática de igualdade racial (confira abaixo).
Atualmente, Miriam coordena o NUPIER e nos conta sobre essa atribuição: “Na qualidade de Coordenadora do Núcleo de Promoção à Igualdade étnico Racial sou mais atenta às determinadas ações e omissões e sofro com a desumanização do meu povo. Não poupo lágrimas com a atuação estatal violenta contra jovens negros que são mortos com a maior normalidade, sem que a sociedade clame por justiça. É um verdadeiro genocídio que está ocorrendo. O Brasil que tem 56% de sua população da etnia, carrega o troféu de ser o primeiro em desigualdade social, impondo aos negros uma segunda escravidão, igual ou mais cruel que a primeira”.
Neste ano de 2020, a associada participou de algumas lives para falar sobre igualdade racial, racismo estrutural e discriminação. No mês de junho, participou da live “MPDebate”, com o tema “Por um MPPR antirracista”, realizada pela Escola Superior do MPPR (ESMP) e pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (Fempar) (assista aqui). No mês de julho, participou da live MPPérolasNegras junto com mais cinco mulheres negras do MP de outros estados. A live foi promovida pelo Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público (assista aqui). E, no mês de agosto, Freitas participou da live com o tema “Racismo Institucional e Proteção dos Direitos Humanos da População Negra no Brasil”, com a Promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz, do Ministério Público da Bahia, que também foi realizada pela ESMP (assista aqui).
Ao ser questionada pela APMP como o Ministério Público pode atuar para acabar com o racismo estrutural, Miriam citou Angela Davis “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista" e continuou:
“É mister que eu acentue que trato aqui do racismo de forma superficial. Estudiosos do tema iniciam estudos a partir do iluminismo até os dias atuais. Para falar em racismo estrutural trago à colação breve texto do Professor Silvio Almeida "o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo "normal" com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre "pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição" (in Racismo Estrutural).
Partindo das premissas esboçadas acima resta claro que o Ministério Público, isoladamente, não consegue ser o ator com força para fazer cessar o racismo estrutural entranhado na organização política, econômica e jurídica da sociedade. A grande questão para cessar o racismo seria acabar com a desigualdade social, fator este, presentemente, impossível, por ausência de vontade política, incrementando mais políticas públicas, abrindo novos campos de trabalho, investindo em moradias e saneamento básico e garantindo a alimentação de qualidade em observância ao Princípio da Dignidade Pessoa Humana. A despeito do Ministério Público e seu papel diante do racismo saliento que alguns MPs do país, internamente, já fizeram estudos e concluíram serem racistas. É o racismo institucional”.
Concluiu, “o nosso Sistema de Justiça precisa ser sensibilizado para tratar com questões raciais. O ser humano é complexo e ser Juiz ou Promotor não significa que vai lutar contra o racismo”.
Por fim, em 2019, Miriam participou do programa “REConto” do Memorial do MPPR, quando foi entrevistada pela associada Valéria Teixeira de Meiroz Grilo, Procuradora de Justiça aposentada, e contou mais detalhes sobre sua história de vida no Ministério Público do Paraná (assista aqui).
Miriam por ela mesma
Mulher negra, forte, combativa, com aguçado senso de humor e sensível, ligada às causas feministas e raciais, com amor incondicional a Deus, à família, ao Ministério Público e amigos. Essencialmente humilde e verdadeira, com plena disponibilidade para auxiliar outras pessoas em qualquer aspecto da vida. Intransigente quanto ao que pensa e pratica. Desapegada de bens materiais, consciente da nossa finitude e com profunda fé em Deus.
Local
Amo Curitiba, mas tenho uma ligação espiritual com o Egito.
Hobbies
Shows de MPB, teatro, cinema, leitura, especialmente as que tratam de questões raciais, biografias, poesias, assistir fatos reais de investigação criminal e brincar com a nova geração de sobrinhos.
Frase
“Tudo posso naquele que me fortalece”. (Filipenses 4:13)
A APMP parabeniza a Procuradora de Justiça Miriam de Freitas Santos pela brilhante trajetória no Ministério Público Araucariano, em especial pela atuação na área criminal, pelo primor técnico jurídico dispensado em toda sua carreira e por tratar com seriedade e muito zelo as questões étnicos raciais, para o combate do racismo, tanto na Instituição quanto na sociedade.
ARTIGOS
- Ações afirmativas: um caminho legal e necessário para a representatividade negra (leia aqui).
- Estatuto da Igualdade Racial e Ministério Público antirracista (leia aqui).
Com informações: Memorial do MPPR e MPPR.
Fotos: Acervo Pessoal e MPPR.