Artigos

Artigo: Os Caminhos da Violência Contra as Mulheres

Confira o artigo da associada Letícia Giovanini Garcia que foi publicado na Folha de Londrina
18 de dezembro de 2023

As diferenças entre a vida de um menino e uma menina, com suas variáveis espaciais e temporais, foram ao longo da história bastante evidentes, sendo o gênero um forte balizador para os direitos e limites de uma pessoa.

Realidades, práticas e medos recheados de sutilezas e que muitas vezes confundem e tornam incrédulos os olhos dos mais atentos espectadores do cotidiano sequer fazem parte da vida de um homem.

As preocupações com a roupa que veste, com o caminho que percorre, o horário que sai, a forma de sentar, onde sentar, como falar e o que falar, os pequenos e os grandes boicotes sociais, que vão desde a interrupção de uma fala comum a um xingamento ou até mesmo uma agressão física diante de uma atuação política são inimagináveis para o universo masculino, mas ao mesmo tempo tão comuns e naturalizados na vida das mulheres.

Nos relacionamentos privados, o jogo quase nunca é justo. Com a sobrecarga com os “assuntos domésticos”, muitas mulheres seguem tendo sua vida profissional afetada, seja direta ou indiretamente, além dos reflexos que ela exerce em sua saúde mental e física. Numa dinâmica frequentemente velada no início, muitas mulheres estão inseridas num contexto relacional de opressão e violência. Nos pequenos “ajustes” comportamentais a que se submetem sob uma exigência travestida de conselho do parceiro, as mulheres vão se enredando numa história revisitada em alguma medida por todas elas num dado momento da vida. Das falas predatórias às pequenas censuras, sejam verbais sejam através do próprio silêncio proposital de seus parceiros, muitas delas vão abrindo mão da sua individualidade para se “encaixar” no outro, muito embora ela acabe tantas vezes sendo considerada o “outro”.

Nas relações profissionais, as mulheres desenvolvem técnicas mirabolantes de convencimento do próprio conhecimento e capacidades. Precisam de cuidados com a imagem que passam, com a forma que falam e com a maneira que expressam suas opiniões. E nesta dinâmica vão oscilando os olhares e julgamentos externos para as mulheres que optam por seguir uma carreira profissional e uma vida pública. Não fosse isso, elas seguem preteridas em promoções, em nomeações, seus salários, ainda que no desempenho das mesmas funções, são menores e sua presença nos espaços de poder seguem desproporcionais no cenário brasileiro. E quando se tratam de mulheres negras, as proporções são ainda mais devastadoras. As chances vão reduzindo e os obstáculos seguem aumentando.

Toda essa dinâmica ancestral aponta para um ciclo de violência que só nos traz a consciência do real impacto e desperta a percepção da população quando atinge suas facetas mais dramáticas. Assim é que os pequenos relatos de um cotidiano naturalizado só passam a fazer sentido quando números assustadores apontam, por exemplo, que a cada seis horas uma mulher é vítima de feminicídio no país, como ocorreu no ano de 2022, destacando, mais uma vez, o superior percentual quando as vítimas são mulheres negras, o que escancara a dupla discriminação presente nestas situações. Apesar disso, os dados demonstram que a violência contra a mulher é terrivelmente democrática, muito embora os instrumentos institucionais e internacionais proclamem veemente a equidade de gênero e se oponham a todas as formas de discriminação.

A íntima relação entre a invisibilidade feminina dentro da sociedade com sua diminuta presença nos espaços de poder e as violações de direitos humanos contra mulheres e meninas justificam os simbólicos 21 dias de ativismo em oposição à

violência contra a mulher, que na data de hoje se encerra, mas com a certeza de que a luta por avanços civilizatórios neste sentido não cessará tão brevemente.

Letícia Giovanini Garcia – Faz parte da Associação Paranaense do Ministério Público; Promotora de Justiça do Estado do Paraná; Doutora e Mestre em Ciências jurídicas e políticas pela Universidade de Lisboa.

Com informações: Folha de Londrina. Clique aqui e confira o artigo publicado no jornal.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.