Mais um 8 de março, dia Internacional da Mulher, se passou.
Flores, homenagens, discursos, manifestações, reivindicações, histórias, post em rede social com hashtag: “lugar de mulher é onde ela quiser”.
Esse é o objeto do feminismo: liberdade de escolha; inexistência de lugares sociais pré-definidos em razão do gênero desde o nascimento, e, logo, que nós mulheres ocupemos os espaços que desejarmos.
A pergunta que se faz é: quais mulheres já alcançaram a liberdade de escolha?
Sob uma perspectiva de raça e classe, conclui-se facilmente que mulheres negras, infelizmente, ainda estão longe de possuir seus direitos fundamentais garantidos, quiçá ter liberdade de escolha de seu destino e felicidade.
As mulheres negras estão na base da pirâmide social, com os piores índices sociais e econômicos.
A maioria de vítimas de feminicídio são mulheres negras. Mulheres negras são as que mais sofrem com a pobreza menstrual. Mulheres negras recebem muito menos, em mesmos postos, que homens brancos e negros e mulheres brancas. A maioria de trabalhadoras domésticas sem vínculo formal tem a pele escura. Mães de jovens negros sofrem, em maior número, as dores dos assassinatos de seus filhos. Diminuto é o número de mulheres negras nos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e no Ministério Público.
Voltemos ao século XIX, quando se fala em início do feminismo.
Tradicionalmente, ao se estudar a luta pela igualdade de gênero, remete-se às reivindicações pelo direito à educação, ao voto e à vida pública, encabeçado por mulheres brancas, em sua maioria, de classe média e alta. Porém, com um olhar mais atento, constata-se que, enquanto mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho, mulheres negras, durante séculos, já tinham suas infâncias roubadas para servirem suas sinhás e, mais tarde, já com a abolição da escravatura, trabalhavam como lavadeiras, cozinheiras, costureiras, entre outras ocupações, muitas vezes sustentando toda a família. Portanto, enquanto as mulheres brancas exigiam seus direitos para melhor viver, as mulheres negras lutavam para sobreviver. Isso é ausência de poder de escolha.
Essas diferenças entre as mulheres evidenciam escancaradamente o racismo, que é um dos pilares estruturantes da nossa sociedade e se perpetua até hoje.
Assim, qualquer movimento que pleiteie a efetivação de direitos humanos e direitos para mulheres, precisa de um olhar para a raça e para a classe, de forma interseccional. Por isso, não basta falar em feminismo, ele precisa ter cor, assim como as desigualdades deste país. O feminismo precisa da negritude.
Não se quer aqui diminuir a luta das mulheres brancas, que alcançaram direitos para todas. O que se propõe é que qualquer movimento feminista tenha também um viés de raça e de classe.
O feminismo negro, nesse passo, é urgente, porque permite às mulheres negras pensarem a sociedade como um todo. E não se trata de dividir o movimento feminista, mas enriquecê-lo com a diversidade de ideias, conhecendo as experiências uma das outras, num diálogo crítico e aberto entre mulheres brancas e não brancas e de todas elas com a sociedade.
Disse Angela Davis: “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.” E se estamos aqui hoje, discutindo este assunto, é porque há muitos anos muitas mulheres negras também vem enfrentando as dificuldades impostas pelo machismo e mostrando à sociedade a urgência do combate ao sexismo e ao racismo.
Portanto, qualquer política pública de direitos humanos, neste país, só será bem-sucedida quando as pessoas negras, em especial as mulheres, participarem de sua elaboração e forem por ela beneficiadas.
Só assim o racismo estrutural será extirpado de nossa sociedade, porque a estrutura é reproduzida por cada um de nós, então somos todos responsáveis por quebrar esse pilar discriminatório e fazer a igualdade racial (e social) ser uma realidade cotidiana.
Já avançamos! Com muita luta e resistência, estamos ocupando espaços, antes negados às pessoas negras. Essa coluna é um exemplo disso. Mas ainda temos muito a conquistar.
E é só por meio da inclusão de todas as mulheres nos movimentos feministas que teremos políticas públicas que permitirão a conquista do poder de escolha como um direito e um legado.
Talvez, num futuro próximo, possamos afirmar que o Dia Internacional da Mulher é de todas nós e que todas nós temos possibilidades de escolhas e de estar nos lugares que desejamos.
Fico feliz de ter esse espaço, mas ficarei ainda mais quando ele for de todas nós, mulheres negras!
Ana Carolina Monteiro de Moraes - Associada APMP, Promotora de Justiça do MPPR. Especialista em Direito Público. Pós-graduanda em Direitos Humanos e Cidadania Global
Com informações: Plural. Clique aqui e confira o artigo publicado no jornal.